Pessoas,
Quanto mais eu conheço a Dra. Vanice Orlandi, mais eu fico fã!
Ela é tudo de bom que a defesa animal precisa, não por acaso é
presidente da UIPA de SP. Para quem não sabe, ela foi a VERDADEIRA
responsável pelo artigo 32 da Lei 9605/98 e redatora “usurpada
intelectualmente” de várias leis de defesa animal de nosso país.
Leiam o texto com todo o cuidado e carinho que merece…e divulguem MUITO!!!
Devaneios sobre a reforma do Código Penal
Vanice Teixeira Orlandi
Alardeia-se que o texto do anteprojeto do Código Penal, se aprovado,
encerrará a era das cestas básicas e que veremos atrás das grades,
cumprindo quatro, seis e até dez anos de prisão, o autor da prática
de maus-tratos, dentre outras deduções jurídicas que passam longe da
realidade.
Em caso de maus-tratos, não haverá processo, nem prisão, e o
autor da prática se livrará sem que sua responsabilidade pelo delito
venha a ser discutida, ou registrada em antecedentes criminais. Só
responderá a processo o agente que dê causa à mutilação, lesão grave
permanente ou morte do animal, ou que promova ou participe de luta entre
animais, ficando reservada a essa última, apenas, uma remota
probabilidade de prisão.
Relembre-se que, por força da Lei Federal nº 9.099/95, atualmente, o autor do delito de maus-tratos é beneficiado pela transação penal,
que consiste na imediata aplicação de uma pena restritiva de direitos
(prestação pecuniária, prestação de serviço, limitação de fim de semana
etc), desde que presentes os requisitos legais. Muito embora a lei
enuncie que o benefício da transação penal não será concedido se os
antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente e os motivos e
circunstâncias do crime não indicarem ser suficiente a adoção dessa
medida, sabe-se que a transação penal é efetivada, sistematicamente, por
mais horrendo que tenha sido o fato praticado pelo agente. Até os dias
de hoje, há notícia de um só caso no Sul, em que o benefício foi negado.
Se aprovada a redação sugerida pela comissão de juristas, nos casos de maus-tratos, teremos a substituição da atual transação penal por uma transação processual
denominada suspensão condicional do processo, também conhecida por
sursis processual, prevista no art.89 da Lei Federal nº9099/95, aplicada
a todas as infrações penais que possuam pena mínima cominada igual ou
inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado, ou
que já tenha sido condenado por outro crime, dentro de um período de
cinco anos.
Vale mencionar que o anteprojeto do Código está propondo o fim do
sursis penal (suspensão da pena), previsto no Código Penal, e não do
sursis processual, estabelecido pela Lei Federal nº9099/95.
Ao oferecer a denúncia, o Ministério Público propõe a suspensão do
processo, por dois a quatro anos, período de prova em que o acusado
submete-se ao cumprimento de algumas condições como reparação do dano,
se possível; comparecimento mensal a juízo, proibição de frequentar
certos lugares e de ausentar-se da comarca (não há mecanismo de
fiscalização para essas duas últimas).
Após o decurso do prazo de dois a quatro anos, desde que as condições
impostas tenham sido cumpridas, decreta-se a extinção da punibilidade
do agente, sem discussão de sua responsabilidade pelo delito e sem
anotação em seus antecedentes criminais, sendo possível, inclusive, a
concessão de novo benefício, já que o acusado permanecerá primário.
Se a prática de maus-tratos resultar em morte, mutilação ou lesão
grave permanente, será aplicada uma causa de aumento de pena, que
elevará o limite mínimo da pena de um ano cominada em abstrato,
impedindo, assim, a suspensão do processo.
Mesmo nesse caso, a possibilidade de prisão não se verifica. Conforme
estabelece o artigo 44, inciso I, do Código Penal, a pena privativa de
liberdade (prisão) igual ou inferior a quatro anos será substituída
por uma pena restritiva de direitos (prestação pecuniária, perda de bens
ou valores, prestação de serviço, limitação de fim de semana,
interdição temporária de direitos).
Refere-se o Código Penal à pena concretamente aplicada (imposta por
sentença), e não à pena cominada em abstrato (prevista no texto da
lei).
Por razões de política criminal, a pena sempre é fixada no mínimo, o
que torna muito remota a possibilidade de prisão, até nos casos de luta
entre animais.
Conclui-se, portanto, que a pena restritiva de direitos,
atualmente efetivada de forma imediata na transação penal, continuará a
ser aplicada, ao final de um processo, e apenas aos gravíssimos casos de
maus-tratos de que resulte morte, mutilação ou lesão grave permanente,
pois em caso de maus-tratos sem o resultado, morte, mutilação e lesão
grave permanente, o processo será suspenso, sem maiores consequências.
Ao texto original da Lei dos Crimes Ambientais, o anteprojeto fez algumas inserções e uma supressão.
Inseriram três dispositivos que trazem três novos tipos penais
(crimes) extraídos do projeto de lei federal nº2833/11, já apresentado
pelo Deputado Federal Ricardo Trípoli, elaborado com o apoio técnico da
UIPA- União Internacional Protetora dos Animais- em parceria com a
assessoria jurídica do parlamentar, e que tipificam (tornam crime) a
luta entre animais, o abandono e a omissão de assistência ou de socorro a
animal em perigo.
E vozes não faltam a proclamar que a supressão da palavra “ferir” em
nada importa, por ser redundante, o que não procede, pois a
permanência desse verbo é de extrema relevância para o tipo penal do
artigo 32.
A questão não é provar que ferir um animal constitui
maus-tratos, e sim demonstrar que é possível submeter a maus-tratos sem
ferir.
Fato é que a maioria esmagadora das práticas de maus-tratos não
provocam lesão e ferimentos. É o caso dos rodeios, do confinamento, da
criação intensiva, dos cães acorrentados e sem abrigo. As autoridades,
entretanto, insistem na existência de lesão como condição para a
ocorrência do crime de maus-tratos.
Como a lei não contém palavras inúteis, a existência do verbo
“ferir” tem sido um forte argumento para demonstrar que as condutas
de “abuso” e “maus-tratos” podem se consumar, independentemente, da
ocorrência de lesão, imprescindível apenas às modalidades “ferir” e
“mutilar”.
Se a lesão fosse condição essencial à consumação do crime de
maus-tratos, não haveria a necessidade da existência do verbo (núcleo
do tipo) “ferir”; haveria apenas o tipo “maus-tratos”. Se uma
prática compreendesse a outra, não haveria a necessidade de o artigo 32
contemplar as duas práticas (a de maltratar e a de ferir). Se as duas
fazem parte do tipo penal é porque as duas constituem condutas diversas e
independentes. Logo, é possível maltratar sem ferir.
Já se antevê um prejuízo à norma punitiva do artigo 32, que
decerto, não sairá ileso do trâmite por duas casas legislativas repletas
de ruralistas.
A comunidade científica tentará valer-se da ocasião para suprimir o
parágrafo primeiro do artigo 32, relativo à experiência dolorosa ou
cruel para fins didáticos ou científicos. Sem falar nos defensores dos
rodeios e vaquejadas, que poderão fazer incluir excludentes de
ilicitude, visando legitimar práticas desse gênero.
Num momento em que o país estarrecia com assombrosos casos de
crueldade com animais, entidades e ativistas foram alarmados por um
movimento virtual, que anunciava, com toda veemência e nenhuma fonte, a
descriminalização da prática de maus-tratos, pretensão que nunca
existiu como declararam Luis Carlos Gonçalves, relator da reforma do
Código Penal e Luíza Eluf, integrante da comissão responsável pelos
trabalhos, em entrevistas concedidas à ativista Sheila Moura (www.ogritodobicho).
Após o desmentido do boato, o discurso foi alterado.
A mobilização já não se fazia vital e urgente pelo risco de ser a
redação do artigo 32 alterada, mas justamente pela necessidade de
alterar a sua redação! Era a imperdível oportunidade de alforriar os
animais para apenar seus algozes com pena de prisão, e não com meras
cestas básicas. Afinal, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
Pressionada, a comissão de juristas se dispôs a proceder às alterações, mas o resultado foi bem diverso do divulgado.
Em suma, restaram frustradas as expectativas incutidas nas milhares de pessoas conclamadas a marchar em defesa dos animais.
Vê-se que o avanço anunciado, aos quatro ventos alardeado, na prática, não existe e não se cumpre.
Despreparo ou preparo eleitoral?
Esperava-se mais de quem arrogou-se no direito de falar e agir em nome do Movimento de Proteção Animal.
Vanice Teixeira Orlandi é advogada, presidente da centenária UIPA, União Internacional Protetora dos Animais
http://www.fabianojacob.com.br/2012/05/espetaculo-novo-texto-da-dra-vanice-orlandi-sobre-o-anteprojeto-de-lei-do-cp/
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